É absolutamente vital saber
distinguir o inimigo do adversário. Os dois são muito diferentes entre
si. Enquanto o adversário contenta-se em derrotá-lo, o inimigo só
encontra paz destruindo-o.
A política, por sua inescapável
natureza competitiva, e mais ainda pela publicidade que assume, é um
campo de atividades onde proliferam adversários e inimigos. Só não tem
adversário ou cria inimigos quem é politicamente inofensivo. Os que têm
ambição e lutam por seus objetivos por certo terão adversários e talvez,
ao longo da carreira, adquiram inimigos.
Não é preciso gastar tempo para
analisar os adversários: são participantes do jogo da política,
competidores por vezes duros e até desleais, mas o que desejam é vencer a
eleição e ocupar o cargo. Não os move o ódio pessoal, nem o desejo de
destruição, que são sentimentos exclusivos dos inimigos. Já sobre estes
sempre há muito o que falar e
ainda mais para aprender.
Inimigos podem surgir na vida pessoal e ser transportados para a
política – ou podem surgir nesta própria área. Não importa a origem: o
inimigo alimenta sempre um sentimento negativo para com você.
Mais fiéis que os amigos
Quando seu inimigo mentir sobre
as razões para hostilizá-lo, caberá a você revirar as gavetas da
memória e provar que a verdade é outra. Mas o eleitor não vai aprovar a
rusga pública Se a origem da animosidade é indiferente, sua razão
importa – e muito.
Há inimizades cuja natureza é
pessoal. Outras nas quais o porquê é estritamente político. Quando o
motivo for pessoal, ele é irremovível.
Inimigos costumam ser mais
fiéis que os amigos – e quando a razão da antipatia é privada, ela é
nutrida em silêncio, cultivada com o adubo do ódio, cresce e
cristaliza-se com o tempo. Ao migrar para o mundo da política,
entretanto, a inimizade cobre-se de motivos nobres e elevados para se
justificar diante da opinião pública. Deste modo, assume
convenientemente a forma de um conflito de interesses e ideias. É
preciso, portanto, saber distinguir com clareza a /hostilidade política/
da /inimizade pessoal/ travestida de argumentos ideológicos. O pior que
pode lhe acontecer é tratar um inimigo como se fosse um adversário, por
um erro de julgamento.
A você não interessa
desmascarar o inimigo, mostrando ao eleitorado que a razão da
hostilidade não é política, mas pessoal. Porque ou você convence o
eleitor, ou não. E, nas duas hipóteses, o resultado lhe é desastroso. Se
o fizer crer que a razão é pessoal, as conseqüências atingem você e seu
antagonista. Afinal, como provar que seus motivos não são igualmente
pessoais? Ao eleitor ficará a sensação de estar sendo envolvido num
conflito que não lhe interessa, lhe é irrelevante e ainda depõe contra
os políticos que usam eleições para resolver diferenças pessoais.
Também não pense que será fácil
convencer o eleitor. Seu inimigo vai insistir que nada há de pessoal na
desavença: as diferenças entre vocês, por mais profundas e radicais que
sejam -pelo menos da parte dele – são exclusivamente políticas. Então, é
você quem fica na obrigação de comprovar que a razão é, sim, pessoal.
Em outras palavras, caberá a você a tarefa de remexer baús, buscar
lembranças de agravos. Enfim, arrastar o debate político para o campo
das desavenças pessoais. De novo, exatamente aquele que não interessa ao
eleitor. Portanto, não lhe resta outra alternativa que não seja tratar
politicamente o conflito, embora /você/ saiba que a razão é pessoal.
Nada a fazer senão vencer a eleição – estando antecipadamente ciente de
que, derrotado, o inimigo ficará
ainda mais ressentido e revoltado.
Evite o “faz-de-conta”
Entregue-se à tarefa de
destruir politicamente seu inimigo com o mesmo zelo que dedicaria à
conquista de suas metas Em síntese, lidar com um conflito pessoal
irremovível “fazendo de conta” que se trata de um conflito político é
exasperante, psicologicamente oneroso e estrategicamente complicado. A
cada crítica recebida, você
decodificará os significados implícitos.
Os sentimentos obscuros que a
animaram, sendo desconhecidos pelos demais, parecerão meras críticas
políticas. Mas elas lhe atingirão mais profundamente, despertando-lhe o
desejo de devolver a agressão e, até, partir para o confronto pessoal e
físico. Você viverá permanentemente a sensação de estar sendo vigiado,
perseguido e acuado – e, diante do menor erro, o outro estará pronto a
explorá-lo impiedosamente. Você precisará conviver com a plena
consciência de que, para lhe fazer mal, seu inimigo é capaz de agir
contra os próprios interesses. Se ele for verdadeiramente um inimigo
duro e irreconciliável, aquele cujas razões têm origem pessoal, pouco ou
nada terá a perder, já que seu objetivo é destruí-lo. O inimigo que
deve ser evitado é aquele que afirma:
“Mil amigos não são suficientes, um inimigo o é.”
Não existe inimigo inofensivo.
Maquiavel, assim como outros pensadores da /escola realista/ da
política, quando trata desse tipo de inimigo fala em /”destruí-lo”/, mas
na acepção literal do termo: /”matá-lo”/, o que, em outras épocas e
sistemas políticos, constituía uma prática política adotada sem maiores
escrúpulos. Foi com esse espírito que o general e governante português,
Ramón Narvaez (1800/1868), no leito de morte, respondeu assim a pergunta
do sacerdote sobre perdoar seus desafetos:
“Eu não perdoo meus inimigos, já os matei todos.”
Mas numa sociedade moderna e
civilizada, num estado de direito, numa democracia, a política se
desenvolve dentro de limites que repudiam, condenam e punem práticas
brutais, tão típicas da fase renascentista. Portanto, quando se fala em
/”destruir”/ o inimigo, isto significa derrotá-lo politicamente,
retirar-lhe o espaço de manobra e evitar sua recuperação, removendo-o do
mundo político dentro das normas legais democráticas e do respeito aos
direitos e garantias individuais.
Trata-se, pois, de uma
destruição política – não pessoal -, da subtração pela falta de meios
necessários para participar do jogo político. Dedique-se a esta tarefa
com o mesmo zelo que dedicaria à conquista de suas metas.
Distantes e bem vigiados
Os feitos de César Bórgia
inspiraram Maquiavel, que imputou-lhe um único, porém fatal, erro
estratégico: iludir-se com os inimigos Por fim, não caia no engodo de
tentar mudar seus inimigos e de, se não conseguir torná-los amigos, pelo
menos neutralizá-los. Será pior. Se eles forem verdadeiramente
inimigos, interpretarão o gesto como fraqueza, algo revelador do medo
que você tem deles. Poderão fingir que aceitam a aproximação para
conhecer melhor seus pontos fracos, segredos e carências, para atacá-lo
no momento em que estiver mais vulnerável. Já os adversários você pode
tentar modificar e até transformar em amigos, principalmente se os
procurar quando os tiver vencido.
Quanto aos inimigos, a melhor
política é mantê-los à distância e bem vigiados. Saiba sempre onde
estão, com quem se encontram, o que dizem, em quem confiam e, se
possível, quais são seus planos. Tais cuidados são necessários porque os
inimigos nunca esquecem. Em /O Príncipe/, o clássico do poder cuja
inspiração foram as realizações do governante e duque italiano César
Bórgia (1475/1507), Maquiavel vaticina, sobre o queclassificou como o
“único erro” cometido pelo líder renascentista, notório por seu
calculismo, sua ambição e truculência: “Quem pensa que, entre
personagens importantes, novos benefícios fazem esquecer antigas
injúrias, se engana.”
(*) Francisco Ferraz, em Política & Políticos
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