18 de maio de 2012

Qual a diferença entre inimigo e adversário político?


É absolutamente vital saber distinguir o inimigo do adversário. Os dois são muito diferentes entre si. Enquanto o adversário contenta-se em derrotá-lo, o inimigo só encontra paz destruindo-o.

A política, por sua inescapável natureza competitiva, e mais ainda pela publicidade que assume, é um campo de atividades onde proliferam adversários e inimigos. Só não tem adversário ou cria inimigos quem é politicamente inofensivo. Os que têm ambição e lutam por seus objetivos por certo terão adversários e talvez, ao longo da carreira, adquiram inimigos.
 
Não é preciso gastar tempo para analisar os adversários: são participantes do jogo da política, competidores por vezes duros e até desleais, mas o que desejam é vencer a eleição e ocupar o cargo. Não os move o ódio pessoal, nem o desejo de destruição, que são sentimentos exclusivos dos inimigos. Já sobre estes sempre há muito o que falar e
ainda mais para aprender. Inimigos podem surgir na vida pessoal e ser transportados para a política – ou podem surgir nesta própria área. Não importa a origem: o inimigo alimenta sempre um sentimento negativo para com você.
 
Mais fiéis que os amigos
 
Quando seu inimigo mentir sobre as razões para hostilizá-lo, caberá a você revirar as gavetas da memória e provar que a verdade é outra. Mas o eleitor não vai aprovar a rusga pública Se a origem da animosidade é indiferente, sua razão importa – e muito.
 
Há inimizades cuja natureza é pessoal. Outras nas quais o porquê é estritamente político. Quando o motivo for pessoal, ele é irremovível.
 
Inimigos costumam ser mais fiéis que os amigos – e quando a razão da antipatia é privada, ela é nutrida em silêncio, cultivada com o adubo do ódio, cresce e cristaliza-se com o tempo. Ao migrar para o mundo da política, entretanto, a inimizade cobre-se de motivos nobres e elevados para se justificar diante da opinião pública. Deste modo, assume convenientemente a forma de um conflito de interesses e ideias. É preciso, portanto, saber distinguir com clareza a /hostilidade política/ da /inimizade pessoal/ travestida de argumentos ideológicos. O pior que pode lhe acontecer é tratar um inimigo como se fosse um adversário, por um erro de julgamento.
 
A você não interessa desmascarar o inimigo, mostrando ao eleitorado que a razão da hostilidade não é política, mas pessoal. Porque ou você convence o eleitor, ou não. E, nas duas hipóteses, o resultado lhe é desastroso. Se o fizer crer que a razão é pessoal, as conseqüências atingem você e seu antagonista. Afinal, como provar que seus motivos não são igualmente pessoais? Ao eleitor ficará a sensação de estar sendo envolvido num conflito que não lhe interessa, lhe é irrelevante e ainda depõe contra os políticos que usam eleições para resolver diferenças pessoais.
 
Também não pense que será fácil convencer o eleitor. Seu inimigo vai insistir que nada há de pessoal na desavença: as diferenças entre vocês, por mais profundas e radicais que sejam -pelo menos da parte dele – são exclusivamente políticas. Então, é você quem fica na obrigação de comprovar que a razão é, sim, pessoal. Em outras palavras, caberá a você a tarefa de remexer baús, buscar lembranças de agravos. Enfim, arrastar o debate político para o campo das desavenças pessoais. De novo, exatamente aquele que não interessa ao eleitor. Portanto, não lhe resta outra alternativa que não seja tratar politicamente o conflito, embora /você/ saiba que a razão é pessoal. Nada a fazer senão vencer a eleição – estando antecipadamente ciente de que, derrotado, o inimigo ficará
ainda mais ressentido e revoltado.
 
Evite o “faz-de-conta”
 
Entregue-se à tarefa de destruir politicamente seu inimigo com o mesmo zelo que dedicaria à conquista de suas metas Em síntese, lidar com um conflito pessoal irremovível “fazendo de conta” que se trata de um conflito político é exasperante, psicologicamente oneroso e estrategicamente complicado. A cada crítica recebida, você
decodificará os significados implícitos.
 
Os sentimentos obscuros que a animaram, sendo desconhecidos pelos demais, parecerão meras críticas políticas. Mas elas lhe atingirão mais profundamente, despertando-lhe o desejo de devolver a agressão e, até, partir para o confronto pessoal e físico. Você viverá permanentemente a sensação de estar sendo vigiado, perseguido e acuado – e, diante do menor erro, o outro estará pronto a explorá-lo impiedosamente. Você precisará conviver com a plena consciência de que, para lhe fazer mal, seu inimigo é capaz de agir contra os próprios interesses. Se ele for verdadeiramente um inimigo duro e irreconciliável, aquele cujas razões têm origem pessoal, pouco ou nada terá a perder, já que seu objetivo é destruí-lo. O inimigo que deve ser evitado é aquele que afirma:
 
“Mil amigos não são suficientes, um inimigo o é.”
 
Não existe inimigo inofensivo. Maquiavel, assim como outros pensadores da /escola realista/ da política, quando trata desse tipo de inimigo fala em /”destruí-lo”/, mas na acepção literal do termo: /”matá-lo”/, o que, em outras épocas e sistemas políticos, constituía uma prática política adotada sem maiores escrúpulos. Foi com esse espírito que o general e governante português, Ramón Narvaez (1800/1868), no leito de morte, respondeu assim a pergunta do sacerdote sobre perdoar seus desafetos:
 
“Eu não perdoo meus inimigos, já os matei todos.”
 
Mas numa sociedade moderna e civilizada, num estado de direito, numa democracia, a política se desenvolve dentro de limites que repudiam, condenam e punem práticas brutais, tão típicas da fase renascentista. Portanto, quando se fala em /”destruir”/ o inimigo, isto significa derrotá-lo politicamente, retirar-lhe o espaço de manobra e evitar sua recuperação, removendo-o do mundo político dentro das normas legais democráticas e do respeito aos direitos e garantias individuais.
 
Trata-se, pois, de uma destruição política – não pessoal -, da subtração pela falta de meios necessários para participar do jogo político. Dedique-se a esta tarefa com o mesmo zelo que dedicaria à conquista de suas metas.
 
Distantes e bem vigiados
 
Os feitos de César Bórgia inspiraram Maquiavel, que imputou-lhe um único, porém fatal, erro estratégico: iludir-se com os inimigos Por fim, não caia no engodo de tentar mudar seus inimigos e de, se não conseguir torná-los amigos, pelo menos neutralizá-los. Será pior. Se eles forem verdadeiramente inimigos, interpretarão o gesto como fraqueza, algo revelador do medo que você tem deles. Poderão fingir que aceitam a aproximação para conhecer melhor seus pontos fracos, segredos e carências, para atacá-lo no momento em que estiver mais vulnerável. Já os adversários você pode tentar modificar e até transformar em amigos, principalmente se os procurar quando os tiver vencido.
 
Quanto aos inimigos, a melhor política é mantê-los à distância e bem vigiados. Saiba sempre onde estão, com quem se encontram, o que dizem, em quem confiam e, se possível, quais são seus planos. Tais cuidados são necessários porque os inimigos nunca esquecem. Em /O Príncipe/, o clássico do poder cuja inspiração foram as realizações do governante e duque italiano César Bórgia (1475/1507), Maquiavel vaticina, sobre o queclassificou como o “único erro” cometido pelo líder renascentista, notório por seu calculismo, sua ambição e truculência: “Quem pensa que, entre personagens importantes, novos benefícios fazem esquecer antigas injúrias, se engana.” 
 
(*) Francisco Ferraz, em Política & Políticos